domingo, 21 de setembro de 2008

Para vencer o preconceito
Embora não sejam obrigadas por lei instituições privadas buscam ter uma estrutura para atender adequadamente o direito de alunos especiais à educação

A dificuldade de locomoção, em virtude de uma paralisia cerebral provocada por uma infecção contraída no hospital, não foi a principal barreira que os gêmeos Guilherme e Gabriel Lubianca, de cinco anos, precisaram enfrentar para poder estudar. O maior desafio foi passar por cima do preconceito.Amãe dos meninos, a médica Luciane Lubianca, tentou matriculá-los em um escola privada da Capital no ano passado. Tudo ia bem até os coordenadores da instituição verem os meninos, que andam com a ajuda de próteses e andadores.– De uma hora para outra tudo mudou. Me colocaram numa outra sala e me aconselharam a esperar mais uma pouco. Eu vi nos olhos deles o preconceito. Foi horrível – lamenta.
Guilherme e Gabriel hoje estudam na Amigos do Verde, no bairro Higienópolis, uma escola que abriu as portas para as pessoas especiais e que vem tendo resultados surpreendentes com o desenvolvimento de todos os alunos, principalmente os considerados normais, pela possibilidade de conviver com a diferença.
Apesar de a Constituição garantir o acesso à educação para os portadores de deficiências, preferencialmente no ensino regular, muitas escolas ainda permanecem à margem do processo de inclusão.
O presidente do Sindicato dos Estabelecimento do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe), Osvino Toillier, reitera que não existe lei que obrigue o atendimento, mas que o número de instituições que passaram a incluir esses alunos cresce ano a ano.– São poucas que ainda resistem. O que precisam entender é que não é possível atender todas as deficiências. Existem situações em que realmente não há como – aponta.Além dos alunos se adaptarem à escola, o desafio da inclusão exige que a escola se adapte às crianças especiais.
Ana Isabel Lima Ramos, coordenadora pedagógica do Ensino Infantil da Escola Projeto, que atende portadores de deficiência, afirma que as modificações estruturais são a parte mais fácil. Difícil é mudar a cabeça dos professores e a concepção de ensino.– A inclusão só no discurso e não na prática prejudica a todos. Muito pais não entendem que para certos tipos de deficiências, o melhor caminho para o desenvolvimento ainda são clínicas e escolas especiais. É preciso conhecer as realidades de cada um para que todos saiam ganhando – aponta.
Cristiane, mãe da pequena Bianca Sardin Padilla de Oliveira, seis anos, aluna da Amigos do Verde, também teve de fazer uma maratona para achar a escola certa para a filha. A professora universitária conta que uma das escolas visitadas não quis nem ver a menina.– Eles olharam só os exames médicos e descartaram na hora. Eles nem tentaram – lamenta.
Bianca, Gabriel e Guilherme são destaques nas suas respectivas turmas e ajudam a ensinar colegas, professores e pais tanto quanto eles são ajudados.– Eles fizeram reuniões no início do ano e nos explicaram que escola estava abrindo para a inclusão. É bom ver que meu filho não tem preconceito. Ele ajuda o colega que precisa. É ótimo para ele e para nós também – elogia Kalinca Kulpa, mãe do Gabriel, quatro anos.
Fonte: ZH, 16 de setembro de 2008.
INCLUSÃO DE DEFICIENTES
Lei permite várias interpretações
Falta de clareza gera jogo de empurra no ensino regular

Além do preconceito, pais de crianças portadoras de deficiência precisam passar por cima das várias interpretações das legislações para garantir o acesso dos filhos ao ensino regular.Para as associações e entidades representativas das pessoas com necessidades especiais, as leis são claras e obrigam que qualquer rede de ensino atenda os deficientes. Mas sindicatos das escolas e parte do Ministério Público entendem que não há como obrigar a inclusão no setor privado, sendo dever do serviço público.
Na edição de ontem, Zero Hora mostrou a dificuldade de duas mães para conseguir matricular seus filhos em escolas particulares. Essa situação indignou as entidades ligadas aos portadores de deficiência.– Toda escola faz avaliação. O problema é quando essa avaliação é desenvolvida sem critérios – destaca Alex Garcia, presidente da Associação Gaúcha de Pais e Amigos de Surdocegos e Multideficientes.
Decreto salienta política nacional para deficientes. A Constituição garante o acesso à educação e aponta que isso deve ocorrer prioritariamente no ensino regular. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação referenda esse mesmo artigo e não avança no sentido da regulação.Esse caminho foi tomado por um decreto federal, de 1999, que trata da política nacional para pessoas com deficiência. O texto aponta a matrícula compulsória em estabelecimentos públicos e particulares de pessoas capazes de se integrar à rede regular.
Segundo o presidente da Federação Rio-Grandense de Entidades de Deficientes Físicos, Tarcízio Cardoso, as escolas públicas precisam cumprir a lei, sob pena de perder recursos federais.– Atingir o ensino privado ainda é uma questão de tempo.
Com a inclusão cada vez maior, o Estado e os municípios não terão condições de atender sozinhos e deverão comprar vagas no setor privado – declara.A promotora da Infância e Juventude Synara Buttelli afirma, no entanto, que não há como cobrar a obrigatoriedade no segmento particular.– O que vai ocorrer no futuro é a compra de vagas, como ocorre hoje com os leitos de hospitais – explica.O presidente do Sindicato dos Estabelecimentos do Ensino Privado do RS (Sinepe), Osvino Toillier, aponta que o bom senso é a melhor alternativa.– Há casos em que não é possível atender. O ideal é uma boa conversa para solucionar os problemas – salienta.

O que dizem as leis

> Três legislações regem o acesso de deficientes à educação. Embora garantam a oportunidade, nenhuma obriga as instituições de ensino privado a matricular alunos.

> A questão já chegou à Justiça, que normalmente orienta as escolas, principalmente as públicas, a atenderem o artigo 208 da Constituição que garante o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.

> A Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também consagram os princípios da Constituição, mas não obrigam a oferta do serviço.
Fonte: ZH, 17 de setembro de 2008.